Imagem: Larry Williams/Zefa/Corbis/Latin Stock
À medida que evoluem as técnicas de cirurgia plástica e outros tipos de intervenção facial, mais as mulheres se vêem enfeitiçadas pela possibilidade de ter um rosto mais bonito. Muitas chegam ao consultório do médico pedindo pelo nariz, boca ou olhos de uma celebridade da moda. Outras querem alterar várias partes do rosto, reparando o que julgam ter sido uma injustiça da natureza. Diante da popularidade que a cirurgia plástica desfruta nos dias de hoje, a questão que se coloca é até que ponto se pode conseguir a perfeição através do bisturi.
Será possível modelar uma face até que ela arranque suspiros de admiração e inveja como a da atriz Angelina Jolie e a da modelo Isabeli Fontana? Dez cirurgiões plásticos de renome ouvidos por VEJA para esta reportagem são unânimes em afirmar que a resposta mais honesta é "raramente". Isso não decorre da falta de perícia, mas de uma verdade revelada pela experiência de consultório: a beleza não é o resultado da soma de partes do rosto bem modeladas, mas da harmonia entre elas.
Há, aqui, um ensinamento no qual os médicos insistem nas conversas com os pacientes, mas que muita gente prefere ignorar: o rosto mais bonito do mundo não precisa ser perfeito. O exemplo é Angelina Jolie, com freqüência colocada no topo da lista das mulheres mais lindas do mundo. Um perfeccionista poderá dizer que sua boca é exagerada pelos padrões clássicos de beleza. É verdade. Mas isso em nada afeta o aspecto deslumbrante de sua face.
É dificílimo reproduzir a perfeição mesmo com o uso das técnicas mais modernas. Até quando uma cirurgia plástica é bem-sucedida ao reparar um nariz adunco ou um queixo pequeno demais, nada garante que a área retocada estará em equilíbrio com a totalidade do rosto. "Quando há apenas uma característica marcante na face, como um nariz grande, mas todo o resto é harmonioso, essa característica pode agir de forma positiva, ressaltando a naturalidade do rosto", diz o cirurgião plástico americano Kouros Azar, que tem entre seus clientes estrelas de Hollywood.
A experiência de consultório com as cirurgias estéticas que nem sempre resultam em rostos mais formosos pode agora, pela primeira vez, ser submetida a uma prova científica. A investigação é feita por um software recentemente desenvolvido pela equipe do engenheiro israelense Tommer Leyvand, na Universidade Tel-Aviv. O programa, chamado de máquina de embelezamento, usa padrões de beleza consagrados para transformar os traços de rostos submetidos a ele através de fotografias. O computador analisa 234 detalhes em cinco regiões faciais – olhos, nariz, sobrancelhas, lábios e contorno do rosto. A seguir, vasculha seu banco de dados de rostos bonitos e muda as feições que julga inadequadas à face analisada.
Ao contrário dos programas comumente usados para melhorar a aparência de modelos em revistas, esse novo não elimina rugas nem muda a cor dos cabelos. A pedido de VEJA, Leyvand submeteu a seu software fotos de uma dezena de personalidades brasileiras e estrangeiras. Em última análise, o programa simula os efeitos das cirurgias plásticas, e deixa evidente que nem sempre é uma boa idéia lançar mão delas para adaptar o rosto aos padrões de beleza.
Fotos Erich Lessing/Album/ Latin Stock e Alinari Archives/Corbis/Latin Stock
A BELEZA ESTÁ NAS PROPORÇÕESEmbora os padrões de beleza mudem, algumas características da estampa feminina permanecem infalíveis em atrair os homens. A principal delas são
os quadris mais largos do que a linha da cintura – na proporção ideal de 10 por 7. A explicação é darwiniana: quadris largos sinalizam boa saúde e fertilidade.
Nas fotos: uma Vênus do Paleolítico, a Vênus de Milo e a musa renascentista
de Ticiano
Transformada pela máquina de embelezamento, a modelo Gisele Bündchen teve, entre outras mudanças, os olhos alongados e os lábios reduzidos. Continuou linda, mas seu rosto perdeu boa parte da personalidade que possui. Já o rosto da atriz Claudia Raia se beneficiou das mudanças feitas pelo software e ganhou contornos mais delicados e femininos. Aplicar fórmulas ideais de beleza nem sempre funciona. O cantor Michael Jackson parece ter escolhido cuidadosamente cada uma das reformas faciais a que se submeteu. Vista separadamente, cada parte de seu rosto corresponde a padrões de beleza consagrados – o conjunto, no entanto, resulta monstruoso.
O principal ensinamento que emerge da máquina de embelezamento é que uma modificação sutil pode fazer enorme diferença. Isso não é uma advertência contra a cirurgia estética, mas um apelo à moderação. Muitas vezes, a primeira coisa que uma pessoa tem a perder quando se submete a uma transformação radical é a própria personalidade. "Tudo no rosto pode ser aperfeiçoado, porém com moderação e mantendo as características principais no rosto de cada pessoa", diz o cirurgião plástico paulista Alan Landecker.
As pesquisas de Tommer Leyvand com sua máquina embelezadora foram publicadas há dois meses nos cadernos da Siggraph, conferência sobre computação gráfica realizada anualmente em Los Angeles. Seu objetivo não foi discutir a face mais bonita – a original ou a modificada –, mas, sim, descobrir se é possível alterar rostos com a utilização de padrões consagrados de beleza sem torná-los irreconhecíveis. Como ocorreu com outras tentativas de usar princípios objetivos ou mesmo fórmulas matemáticas para definir a beleza, o pesquisador acabou por mexer em algo além de sua pretensão original – as complexas questões relacionadas à percepção do belo e do que torna uma face atraente ou não.
O que é exatamente beleza? Quando se trata de cirurgia estética, os médicos sabem bastante bem que muitas vezes o paciente está atrás de um formato idealizado que apenas reflete o visual do momento e pouco tem a ver com os fatores que melhor determinam a harmonia de cada rosto. "A padronização pode diluir os pontos fortes de uma mulher. Cada pessoa tem os seus. O segredo da beleza está em valorizar esses pontos", diz o cirurgião plástico carioca Luiz Victor Carneiro, da Clínica Ivo Pitanguy. Nos últimos dez anos, as pesquisas que buscam explicar a beleza pela ótica da ciência se tornaram um campo próspero nas hostes acadêmicas. Muitos desses estudos chegam a conclusões semelhantes a respeito das características de um rosto harmônico e, portanto, bonito.
O principal elemento que o caracteriza é a simetria, o grau de semelhança entre os dois lados do rosto. Em teoria, quanto mais semelhantes forem as duas metades da face, mais perfeita e bela ela tenderá a ser. A simetria ideal, segundo as pesquisas mais respeitadas, também se traduz na distância idêntica entre a ponta do queixo e a base do nariz, entre esta e a linha das sobrancelhas e entre as sobrancelhas e o início da linha dos cabelos.
Um rosto com essas medidas é inteiramente proporcional e tende a ser bonito mesmo se um nariz grande demais, por exemplo, sobressai no conjunto. Esses conceitos estão por trás das belezas clássicas, nas quais todos os traços estão em perfeita proporção. As belíssimas Grace Kelly e Elizabeth Taylor encaixam-se nessa categoria. No rosto feminino, a beleza clássica normalmente se baseia em traços bem delicados, aqueles que costumam diferenciá-lo da face masculina.
Essas fórmulas não conseguem explicar as belezas mais exóticas. Alguns dos rostos famosos considerados mais bonitos chamam atenção justamente pela desproporção dos elementos. O exemplo mais óbvio e que vale a pena mencionar novamente é o da atriz Angelina Jolie, bela por causa de sua boca excessivamente volumosa. A atriz Brigitte Bardot, ícone do cinema nos anos 50 e 60, ficou desfigurada depois de submetida ao programa de computador de Leyvand. A marca de seu rosto sempre foram os lábios carnudos e protuberantes – sem eles, seu rosto ficou banal. "Pessoas com o rosto mais comum, sem elementos que chamem atenção, podem ter sua beleza realçada pela maquiagem. Mas pessoas com características marcantes atraem os olhares mesmo com a cara lavada", opina o cirurgião plástico americano Scott Miller.
Ao longo dos séculos, a ciência e a filosofia sempre procuraram definir a beleza e qual seria sua manifestação mais elevada. Para Santo Agostinho, ela era um atributo divino, assim como a bondade e a verdade. Antes dele, filósofos gregos compararam a beleza a qualidades como a ordem, a simetria e a clareza. Mais recentemente, os estudos científicos que visam a explicá-la mostraram de que forma ela se manifesta. Ainda assim, pesquisas como a do programa de Leyvand muitas vezes são repudiadas por psicólogos e sociólogos. Eles alegam que os parâmetros de beleza que emergem das pesquisas são inevitavelmente influenciados pelos padrões culturais vigentes.
Será que as definições científicas apenas refletem o ideal do momento, construído com imagens da cultura pop e dos ícones de Hollywood? Os padrões clássicos de beleza, que remetem à Antiguidade e às leis que regem as proporções, não mudam. Os traços finos e delicados da rainha egípcia Nefertiti, que viveu há 3 400 anos, até hoje são considerados símbolo de formosura. Paralelamente aos modelos perenes pelos quais se julga o belo, surgem padrões passageiros, ditados pelas circunstâncias históricas e culturais. O século XX foi pródigo nesses padrões de beleza fugazes.
Nos anos 20, os movimentos de emancipação feminina criaram uma alternativa às estampas robustas e com seios fartos das mulheres do século XIX. O cinema influenciou esses ideais. Ficaram em voga os cabelos loiros ondulados e as sobrancelhas finíssimas, desenhadas a lápis. Nos anos 50, a mulher bonita tinha corpo de violão e bochechas coradas. "O padrão de beleza da mulher muda conforme se transformam os papéis que ela ocupa na sociedade", diz a antropóloga Mirian Goldenberg, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Por outro lado, estudos científicos mostram que a percepção de beleza e do que é um rosto atrativo é universal naquilo que transcende aos modismos e à cultura específica. A razão da existência de um padrão universal está na própria evolução da espécie humana.
Charles Darwin, o pai da teoria da evolução, era fascinado por rostos. Deu espelhos a orangotangos num zoológico para observar suas expressões. Estudou centenas de faces humanas de todas as partes do mundo. Ele acreditava que as expressões, da mesma forma que muitos outros comportamentos atuais, refletem padrões instintivos fixados pela evolução em nosso rosto e cérebro. A teoria da beleza que se pode extrair dessas raízes profundas é bem pouco romântica: as encantadoras linhas harmônicas do corpo humano são mais uma resposta encontrada pela evolução para problemas específicos da perpetuação da espécie. Basta examinar a representação artística da beleza feminina, das toscas deusas da fertilidade pré-históricas às estrelas de Hollywood, para notar que alguns atributos são sistematicamente valorizados, independentemente do tempo e da cultura. Em todas as épocas, a mulher ideal é retratada com quadris largos e seios fartos, características que evidenciam sua capacidade de gerar filhos saudáveis e de alimentá-los.
A explicação é darwiniana. As espécies atuais são descendentes daquelas que, ao longo da evolução, se mostraram mais aptas para sobreviver – e isso inclui a adoção de estratégias para atrair o sexo oposto. Impulsos instintivos, fixados em nosso código genético durante o pleistoceno, período geológico em que os grupos de hominídeos iniciaram sua jornada de sucesso evolutivo, ainda nos levam a valorizar os indicativos de boa saúde física e genética, qualidades necessárias para garantir o sucesso reprodutivo e perpetuar os genes da espécie. Um dos primeiros cientistas a estudar o sentido biológico da beleza feminina foi Devendra Singh, professor de psicologia evolutiva da Universidade do Texas. No começo da década de 90, ele mostrou que o acúmulo de gordura na medida certa nos quadris da mulher sinaliza que ela tem bons níveis de estrógeno, hormônio ligado à fertilidade, e é menos suscetível a doenças.
Outras pesquisas estabeleceram as medidas ideais do corpo da mulher: a circunferência da cintura deve ser 70% da dos quadris, padrão que serve tanto para as mulheres magras como para as mais curvilíneas. Singh realizou pesquisas para medir o grau de atração desse atributo entre os homens e concluiu que a preferência é praticamente universal. A mulher, intuitivamente, sempre soube dessa preferência masculina. "No século XVIII, as mulheres da corte européia usavam um corpete para estreitar a cintura e evidenciar os seios e os quadris", diz a historiadora paulista Maria Claudia Bonadio. A evolução equipou o cérebro masculino com uma espécie de radar capaz de captar sinais de sucesso reprodutivo também nas feições femininas. Estudos revelaram que traços delicados, apreciados numa mulher, como a mandíbula pequena e os lábios carnudos, são percebidos como indicativos de fertilidade e de juventude.
Uma forma clássica de definir a beleza é a harmonia de proporções. O conceito foi criado na Grécia antiga e tem como base um cálculo desenvolvido pelos gregos chamado de razão áurea. Essa fórmula representa a proporção mais harmônica entre duas partes em relação ao todo. Para os gregos, essa relação de proporção deveria existir em cada medida do corpo humano para que ele fosse considerado perfeito. Leonardo da Vinci usou a razão áurea em seus estudos anatômicos, inclusive no mais célebre deles, o Homem Vitruviano. A ciência concorda que a lógica das medidas tem correspondência na natureza. O americano Randy Thornhill, da Universidade do Novo México, estudou a assimetria em animais e concluiu que ela significa menor resistência a doenças e a problemas causados pela poluição ou pela falta de alimentos. Em seres humanos, Thornhill mostrou que a assimetria facial pode estar associada a problemas genéticos. Não por acaso, Darwin era obcecado por rostos. "Por trás do que o homem entende por belo há uma lógica evolutiva", disse a VEJA o inglês Martin Tovee, da Universidade Newcastle, da Inglaterra. "É como se estivéssemos biologicamente programados para captar sinais de saúde e de fertilidade." Embora o homem não seja escravo de seus instintos, o prazer que sente ao observar uma mulher com atributos privilegiados é uma prova de que a beleza não é apenas uma questão de gosto. achar que nasceu sabendo!
Por Carolina Romanini e Roberta de Abreu Lima, na VEJA